sábado, 10 de janeiro de 2009

Fernando Henrique Cardoso

RENATO POMPEU A impressão é que o senhor esteve o tempo inteiro investigando o mesmo polvo, cada hora pegando um tentáculo, e um dia vai chegar na cabeça.
Raciocínio perfeito. Sempre cheguei na cabeça, só não deu pra pegar. Tem a dívida externa, que é a coisa mais nojenta que já vi. Aquilo tinha que ser batido e rebatido, sabe? E quem participou está hoje aí. Foi presidente.

FERNANOO LAVlERI - Conta.

PAlMÉRIO DÓRIA- Você está falando do Fernando Henrique Cardoso?
Fernando Henrique Cardoso.

PAlMÉRIO DÓRIA Você está falando do Paribas, de como o presidente manipulou e ganhou com isso?
Exatamente. Nossa dívida externa é artificial e eu provei isso na investigação. Houve repulsa minha porque quando era estudante empunhei muita bandeira "Fora FMI", "Nós não devemos isso".

MYLTON SEVERIANO: A dívida já está paga".
"A dívida já está paga". E foi muito jato d'água, muita cacetada, muito gás lacrimogêneo, "bando de doido, tem que tomar porrada. pau nesses garotos". Você cresce achando que era um idiota, não é? Chega um momento e pensa " a dívida foi criada no regime militar, mas a gente precisa pagar".

FERNANDO LAVIERI Como você provou isso?
PALMÉRIO DÓRIA O jogo começou a ser jogado no Ministério da Fazenda?
Sim. Querem essa história?

TODOS: Sim!
Vocês não vão dormir direito. Isso é para maiores de 50 anos. Estamos em 2002, me atravessa as mãos o expediente para um banco francês, "esse banco eu conheço, é sério". E a suspeita que investigo é fraude com títulos públicos brasileiros, negociados no mercado internacional, títulos da dívida externa. Negociados na década de 1980: o que chama atenção?

MYLTON SEVERIANO: Fim da ditadura.
E transição para o regime civil. José Sarney pega o país em frangalhos, devendo até a alma, sem dinheiro para financiar as contas públicas, muito menos honrar compromissos, a famigerada dívida com o FMl Havia até o "decrete-se a moratória". Era o papo nosso, da esquerda, dos estudantes, "não vamos pagar, já levaram tudo". E o Sarney, o que faz? Bota a mão na manivela e nossos títulos da dívida externa valiam, no mercado internacional, no máximo 20% do valor de face, era negociado na bolsa de Nova York. No paralelo valiam 1%. O que significa? Não passa pela bolsa. Comprei, quero me livrar, então 1 % do valor de face, título de um país "à beira de uma convulsão social, ninguém sabe o que vai acontecer com aquele país, um conjunto de raças da pior espécie": essa, a visão primeiro mundista, o que representávamos para os banqueiros. Escória. E aqui estávamos, discutindo a reconstrução do país. Vamos dialogar, botar os partidos para funcionar, eleições, e o Sarney tendo que dar uma solução. Fecha a manivela e toca a jogar título no mercado de Nova York. Cada título que valia 10%, 15%, mandava dinheiro aqui para dentro. Seis anos depois, o mercado financeiro internacional detectou que no Brasil haveria desordem, até guerra civil, e eles não iam receber o que tinham colocado aqui com a compra dos papéis podres, queriam receber mesmo os 15%. E fazem uma regrinha de três e colocam para o Banco Central: "Você vai instituir uma norma, os títulos da dívida externa brasileira adquiridos no mercado financeiro internacional, no nacional poderão ser 1 convertidos junto ao Banco Central pelo valor de face desde que esse dinheiro seja investido em empresas brasileiras." Bacana, não? Se funcionasse como ficou estabelecido, nosso pais seria uma potência, não? Ainda que uma norma  perfeita, acho um critério não normal, não é? Não é moralmente ético eu comprar um título por 15% e ter um lucro de 100%, em tão pouco tempo. Mas enquanto regra de mercado finencairo tenho que admitir que sou devedor. Se vendi  a 15%, na bolsa, assumi o risco de, no futuro, o lucro ser maior ´para o credor. Tenho que pagar. Foi assim que foi feito? Não. Sera que o grupo Votorantin recebeu algum dinheiro convertido? Alguma outra empresa nacional de porte recebeu? Não. O que o sistema montou? Uma grande opoeração em determinado período para sangrar as reservas do país, e ainda tinha as cartas de intenção, que diziam "se você não me pagar posso explorar o subsolo de 50 mil quilometros da amazonia".

WAGNER NABUCO: Era a fiaça?
Sim. Então me deparo com um banco, o Paribas, hoje BNP-Paribas que se uniu ao National de Paris. Com três diretores, em São Paulo, e dois outros, mais um contador que em foi assacianado e um laranja que se chama Alberto. O banco adquire esses títulos no valor de 20 milhões de dó!ares, não é? E converte no Banco Central e aplca em empresas brasileiras, empresas laranja. Comprou no paralelo a 1, eram 200 mil dólares, e converteu a 20o milhões de dólares aqui no Brasil e colocou nessa empresa-laranja....

MYLTON SEVERIANO Empresa de quê?
De participações. Chama-se Alberto Participações, com capital social de 10 mil reais. Já tem coisa errada. Como uma empresa com capital de 10 mil reais pode receber um investimento estrangeiro da ordem de 20 milhões? Cadê o patrimônio da empresa? Como é que o Banco Central aprova? Mando pegar o processo. Ela investiu, vamos ver aonde o dinheiro vai. Converteu os 20 milhões e ao longo de doze meses o dinheiro é sacado mensalmente na boca do caixa em uma conta e convertido no dólar paralelo e enviado para a matriz em Paris. Eu digo "Banco Central, me dá o processo do Paribas". Aí não consigo, quem consegue é o procurador que trabalhava comigo, Luiz Francisco. Consegue e remete pra mim em São Paulo. Vejo que no Banco Central houve uma briga interna pela conversão. Os técnicos se indignaram, e indefiriram. Aí houve uma gestão forte para que houvesse a conversão. De quem? Do ministro da fazenda. Que era quem? 

MYL TON SEVERIANO: Fernando.

MARCOS ZIBORDI:  Henrique.

MYL TON SEVERIANO: Cardoso.
Tento localizar os banqueiros. Todos fugiram. Os franceses todos. O contador, assassinado. O laranja Alberto morreu de morte natural., assim flam no Líbano. onde ele morreu.. E me sobra a sócia dele, uma senhora chamada Célia. Morava na Avenida São Luís. Ah, é? Um foi embora, outro fugiu, outro morreu, outro foi assassinado: querem brincar com a Polícia Federal? Com a dívida externa do Brasil? Descubro essa sem-vergonhice, essa patranha, essa picaretagem de fundo de quintal que acontecia  enquanto nós estudantes lutávamos, dizíamos que a dívida externa não existia, e, de fato, parte dela era artificial. A coisa é grave, vamos fazer uma continha, nós contribuintes, que cremos que existe uma ordem no país. Títulos que adquiri por 200 mil, converti no Brasil os 20 milhões de dólares, quanto tive de lucro? 19 milhões e 800 mil. Vamos fazer essa continha para vocês dormir direito hoje. Esses 19 milhões mandei para minha matriz, o papel está na minha mão ainda, porque dizia o seguinte a norma do Banco Central: ao converter esse título, invista em empresa brasileira, e ao final de doze anos ''Brasil, mostre a sua cara e me pague aqui, você me deve, pois sou credor dessa nota promissória chamada título da dívida externa brasileira". Está na lei. Bota aí. Soma 20 milhões com 19 milhões e 800 mil: 39 milhões e 800 mil. Nós devemos isso aí? E mais, o que pedi? Que o juiz bloqueasse o título do Paribas, não pagasse, indiciei os diretores. Por quê? Porque estava se aproximando o final dos doze anos, o título estava vencendo e tínhamosque pagar. Pedi que o Banco Central enviasse cópia de todos os processos de conversão da dívida externa brasileira pra mim. Estou esperando até hoje. Sabe o que o Banco Central falou? "O departamento não existe, nunca existiu, era feito por uma seção aleatoriamente lá no Banco Central.." Então nós não devemos esse montante de milhões que cobram.

RENATO POMPEU: Só não entendi o que o Fernando Henrique Cardoso ganhou com isso.
Calma, calma. Sobrou uma para contar a história.. A Célia da Avenida São Luís. A mulher de verdade. Era companheira do Alberto, ex-embaixador do Brasil no Líbano. Quando estourou a guerra ele fugiu e viveu na França., estudando na Sorbonne. Quem ele conhece lá?   

riosa e tem culpa no cartório. Falei "obrigado por ter vindo", e ela "obrigado nada, o senhor é indelicado, desumano, sou dona de uma indústria de sorvetes, e me chama numa hora importante porque tenho que distribuir sorvete, é feriado, o senhor não tem coração". No meio da esculhambação, digo "tenho que cumprir meu dever, sou funcionário público", e ela "aposto que é o caso daquele Paribas, não sei por que ficam me chamando, e tem mais, fui companheira do Alberto, e ele foi muito mais brasileiro que muita gente. Era digno, honesto, ficam manchando a alma dele. Eu ajudei ele até o fim da vida, inclusive sustentei parte da família dele". Percebi que não sabia a verdade, ela disse "ele morreu pobre, ficou esperando a conversão dessa dívida que nunca houve". De¬talhe: na quebra de sigilo bancário encontrei um cheque do Alberto que ele recebeu, 64 milhões, na boca do caixa do banco Safra. E ele transfere as cotas para uma empresa criada pelo Paribas em nome dos diretores.

MYLTON SEVERIANO: No Brasil?
Já é um Paribas do Brasil. Transfere para a subsidiária, e os diretores começam a sacar. O primeiro quem recebe é ele, valor equivalente a 5%. E ela disse "ele não recebeu a comissão dele que era de 5%". Bateu! Tranquei o gabinete, falei "vou mostrar um documento, mas se disser que mostrei, prendo a senhora", era a cópia do cheque, com assinatura e data. A mulher começou a chorar. "Desgraçado. Que o inferno o acolha!" Ela disse "tenho muito documento na minha casa". Se fizesse pedido de busca e apreensão chamaria atenção da Justiça, teria um indeferimento. Essa investigação estava sendo arrastada. Fiz uma busca e apreensão ao in¬verso, "a senhora permite que selecione o que quero?", ela disse "perfeito". Naquela véspera de feriado, peguei dois agentes, contrariando colegas que queriam ir embora...

MYLTON SEVERIANO: Qual o ano?
2002. Saímos de lá de madrugada, era um apartamento antigo, magnífico. Ela chorando, "desgraçado, até comida na boca eu dei". Ela me dá uma agenda, "aqui parecia o Banco Central, eu atendia o doutor Alberto, da área internacional". Encontrei documentos, agendas que vinculavam ele ao Armínio Fraga, ao Fernando Henrique, inclusive uma carta manuscrita, não vou falar de quem, depois confirmada, ela falou "levei esse presente, pessoalmente, até a casa do Fernando". Mandei documentos para perícia. Na época era eleição do Fernando Henrique.

RENATO POMPEU: Não, do Lula.
 Isso. Lula venceu contra Serra. FernandoHenrique era presidente ~;;mrc "01lô!II'BL BeI'8Cl!lbea cfi:aheiro eat:ãe? "';"~ pegar a linha do tempo. Ele sai de ministro da Fazenda e vira presidente. O gerente da área internacional que dá o parecer no processo, quem era? Armínio Fraga. Que presidiu o Banco Central. Essa investigação não sei que fim deu. Pedi ao Banco Central o bloqueio de todos os títulos da dívida externa brasileira que foram convertidos. E pedi cópia de todos os processos de conversão junto ao Banco Central para investigação.

RENATOPOMPEU: Saiu na mídia? 
Em parte, mas foi abafado. Quem conseguiu publicar foi, se não me engano, a Época.

PAlMÉRIO DÓRIA: Citando Fernando Henrique?
Não, não citou. A reportagem era "Fraude à francesa". Essa investigação surge da denúncia de um advogado, Marcos Davi de Figueiredo. Ele sofre uma pressão implacável dentro do banco. A Célia passa a ser ameaçada, logo que presta depoimento entregando tudo. Inclusive os escritórios que deram suporte a essa operação, um do Pinheiro Neto, e ela diz que sofria ameaça do próprio Pinheiro Neto. O procurador foi o doutor KI.eber Uemura.

MARCOS ZIBORDI: É a última notícia?
Sim. Parece que ele tinha conseguido a quebra de sigilo bancário. Depois o dinheiro saiu no mercado paralelo e entraram grandes empresas com esquemas de saída de dinheiro. Tinha a Cotia Trading, que tinha uma coisa com a Volkswagen. Entra gente muito poderosa no esquema. Pedi a quebra de sigilo de todas as pessoas que participaram da fraude. E o KI.eber conseguiu, ai não acompanhei mais. O Tribunal Federal deu a decisão de que era para não ter quebra de sigilo, era ajuíza, salvo engano, Sylvia Steiner. Dá decisão favorável ao banco. Meses depois é nomeada juíza do Tribunal Penal Internacional pelo...

RENATO POMPEU... excelentíssimo presidente da República.

MYLTON SEVERIANO Que história, hein?

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