sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

a infancia, a formação

MYLTON SEVERIANO: Vamos começar esquentando as turbinas. Onde nasceu.
Sou filho de branco com preto. Nasci em 20 de maio de 1959, em Salvador. Meu pai era da ir Marinha de Guerra, ex-combatente da Primeira Guerra Mundial. Aos meus três meses, foi lá para o Rio, participar de uma intervenção. Era do almirante Protógenes Guimarães. Por isso meu nome. Minha mãe embarcou num avião da FAB, eu e meus outros nove irmãos. Primeiro fui morar num bairro de Niterói, Barreto, num sobrado de frente pra praia.

MYLTON SEVERIANO: Você estudou em Niterói?
Isso. Tinha uma igreja do Barreto, a gente tinha que assistir a missa, participar das fes tas. Eu gostava, era criança, tem que estudar, ir para a igreja, brincadeira de rua.

MARCOS ZIBORDI: A como?
Minha mãe era de descendência africana, escravos, meu pai de portugueses, espanhóis, branco de olhos azuis, uma semelbança com aquele artista. Paul Newman. Meu pai é abandonado pela esposa e minba mãe contratada para cuidar dos filhos. Aí ele se apaixona. Ela estava com quinze anos, e era muito bonita. Meus irmãos por parte de pai chamavam minba mãe de mãe e a mãe deles pelo nome, devido à relação materna bem forte. A família do meu pai tinha fazenda no interior da Bahia. Meu bisavô era padre: Antônio Pinheiro de Queiroz. Fundou uma cidade, Conceição de Oliveira dos Campinbos.

MARCOS ZIBORDI: Estudou em escola particular?
Não. Eu não gostava. Escola pública era melhor. No primário fui aluno razoável. No ginásio, você já começa a ser um pouco peralta. Sempre fui ativo. Meu pai era militar, lembremos, imaginava que o pais poderia entrar em guerra e você teria que sobreviver sozinho. A gente tinha que plantar guandu, aipim, e colher. Eu adorava colher aipim, puxar a raiz, era divertidíssimo. Não gostava do guandu, aquela vagem machucava a mão. Minha mãe, semi-analfabeta, mas de um coração muito forte. era ligada a ajudar as pessoas, e na meu pai mandava até fazer roupa. Sei sentar de numa máquina e fazer um short, uma camisa. Em casa a gente ajudava a mãe a cortar roupas, pregar botão, fazer bainha. Você chegava ralado, minha mãe: "vai pra máquina cerzir, essa roupa tá boa ainda". E também uma coisa peculiar de meu pai: ser bem informado. Antes do jantar, ele colocava o rádio sobre a mesa, tínhamos que ouvir a Ave Maria, a Voz do Brasil e depois o Repórter Esso. A voz do homem tá na minha memória até hoje.

MYLTON SEVERIANO: Heron Domingues.
Exatamente, depois é que íamos fazer a ceia, e no dia seguinte tínhamos que ler os jornais. Para ter o hábito. Eu lembro, tinha sete, oito aninhos, ir no jornaleiro e trazer aquele saco de jornais. E se precisava de dinheiro para um cinema, tinha que vender saco, garrafa. Deliberadamente meu pai não dava mesada, não. E passa a infância, vou para um colégio público, em 1970. Tinha dez, onze aninhos. O que mais me despertou foi eletrônica e eletricidade.

MYLTON SEVERIANO: Você foi da UNE?
Fui delegado da UNE, em 1980.

MYLTON SEVERIANO: E foi para o Direito deliberadamente?
Sim.

MYLTON SEVERIANO: Mas tinha despeitado para a política, esquerda, direita?
Não, eu tinha consciência do que era certo, errado, meu pai era um crítico do regime.

CAMILA MARTINS: Estava na ditadura elo militar?
Ele homem do regime, mas crítico. Dizia que depois de Castelo Branco [chefe do primeiro governo militar, 1964-1966] não existia um governo militar que prestasse, que estavam cometendo muito excesso.

MYLTON SEVERIANO: E você pendeu para que lado?
No colégio, jogava futebol escondido, meu pai dizia que era coisa de vagabundo.

FERNANDO LAVIERI: Jogava bem?
Bem. Meu apelido no Niteroiense era Ferretão: magro, comprido. Um meio-campo avançado. E no colégio Hélder Câmara me despertando a atenção um professor de geografia chamado Milton, usava bolsa de couro, barbichinha. Um contestador. Falei "o canal é esse, área humana". Montamos um minigrêmio. E, numa feira de ciências, a professora Marlene ficou orgulhosa, era a empreendedora, chamou autoridades, inauguração de novas salas, e destinou uma para o nosso trabalho. De madrugada, pichamos o muro: Terrorismo é ditadura que mata e tortura. Já causou um estrago danado. Aí tá lá o senador Saturnino Braga, o prefeito, comandante do Exército, da Polícia Militar, Marinha. E chega na nossa sala, trancada. Quando ela pediu para abrir, era uma sala de tortura. Tinha pau-de-arara com boneco, baneco com fio na cabeça. A professora meu

MARCOS ZlBORDI: O que estava escrito?
Pedíamos eleição direta, perguntávamos por que presidente general, pedíamos a melhoria do ensino, que tinha que ser público. E todo o mundo se mandou, a polícia atrás. Chegou a professora Marlene, meu pai falou "menino, você tá louco, os professores vão ser presos, cadê o jornal que você fez?". Deu quase expulsão.

MYLTON SEVERIANO: Você tinha 17 anos?
É, 1976.

MARCOS ZlBORDI: É nessa idade que começam esses comunistas.
Exatamente. Vou estudar na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, particular. Meu pai acreditando que tava fazendo engenharia. Tinha uma intervenção no diretório, comecei a contestar. Ouvi colegas dizer "você vai encontrar espaço para discutir no Centro Acadêmico da Nacional".

MYLTON SEVERIANO: O Cândido Oliveira?
É, eu atravessava a Praça da República, ia conversar, comia no bandejão. E teve o congresso da UNE em Cabo Frio.

FERNANDO LAVIERI: Seu pai sabia?
Meu pai, quando descobriu que eu tava fazendo Direito, corta a mensalidade. Tinha o crédito educativo, fui pra Caixa Econômica fazer, com minha mãe.

MARCOS BORDI: Por que ele não queria?
Dizia que advogado não presta. É, igual Lênin. Advogado, nem do partido, e ele era advogado. Mas entendi que dentro da advocacia ia contribuir mais que na área tecnológica. Estagiei na Defensoria Pública três anos. Saía dez, onze da noite. Ficava penalizado, as pessoas com senha, estavam sendo despejadas. E tenho contato com movimentos sociais, associação de moradores, começa a se formar um movimento social. As pessoas se organizando pra reivindicar. Conheço o pessoal da Contag [Confederação de Trabalhadores na Agricultura], para advogar para a Via Campesina, Sindicato dos Operários Navais, esse caminho até 1987, advogando para associações, partidos, PDT, PT ...

CAMILA MARTINS: Chegou a se filiar?
Nunca quis, era me rotular. Eu tinha envolvimento com outros partidos, e uma formação forte dentro do Partido Comunista Brasileiro. Em 1982, o grupo da clandestinidade pertencia eram todos velhos comunistas. Hércules Correa que faleceu há pouco. Obrigatoriamente você tinha que ler O Capital, de Karl Marx. E engraçado: hoje, com essa crise, onde VI é que os capitalistas estão lendo fundamentos para corrigir o erro? Está sendo obrigatória a leitura de Marx, Engels, Hegel. As corporações estão recomendando que seus diretores leiam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário