sábado, 10 de janeiro de 2009

Satiagraha

PALMÉRIO DÓRIA Estamos prontos para falar da Satiagraha? Como ela sai do mensalão e vira o que virou?
A origem não é mensalão, é Operação Chacal. A investigação da Parmalat, envolvida em fraude na Itália e no Brasil. Lavagem de dinheiro, evasão de divisas. Investigação presidida pelo delegado Elpídio Nogueira. Ele monta uma estação de trabalho em São Paulo, em 2003, 2004. O Elpídio entra em parafuso, vai para tratamento. E o doutor Paulo [Lacerda, ex-chefe da PF] decidiu ficar em cima da Kroll, junto com a Parmalat, a que a Kroll prestava serviço. E descobre que a Kroll é uma empresa americana de espionagem. Uma estação privada da CIA aqui. Esse volume de dados vai para a diretoria de inteligência, e descobrimos que a Kroll seria também um braço de espionagem que seria ao grupo Opportunity. E nasce uma operação para investigar a Kroll. A Operação Chacal.

MARCOS ZIBORDI Daí sai o HD do Oppotunity, na verdade cinco.
Não. É um. Ele depois é copiado. Na Chacal, vem junto o grupo Opportunity do Daniel Dantas. Ele usa a Kroll para espionar adversários dele.

WAGNER NABUCO Gente do governo?
Sim. Gushiken, ministro da Comunicação, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, presidentes de banco, Fundos de Pensão, Banco Central, Banco do Brasil, ministros... Pra que possa ter um dossiê de todas essas pessoas. Quando a Chacal chegou no Opportunity é que apreende um HD. Estava ligado ao desktop ligado ao banco. Tipo 160 gigas de memória. O juiz determina a apreensão, e quando chega a Brasilia já tem um grupo de advogados com decisão judicial para lacrar. O Ministério Público recorre e vai ao TRF [Tribunal Regional Federal] e me parere que o TRF determina que se abra o HD. Aí o Opportunity vai ao STF [Supremo Tribunal b Federal] e o STF determina que se lacre.

PAlMÉRIO DÓRIA: Ellen Gracie?
Ministra Ellen Gracie. Uma decisão oportunista.. O que é que pode ter um HD que a Justiça não possa conhecer, a polícia? E fica uns dois anos parada a investigação. Aí surge o mensalão. Tudo no país, as grandes frandes, podem ter certeza que não sõ visíveis de imediat.  Mas vai ser visível A mentira per dura pouco. A verdade é eterna. Igual ao caso Maluf. Com um pedido vagando no espaço, de quebra de sigilo, três anos, e veio tudo. O suficiente para o povo conhecer que houve desvio de dinheiro público, corrupção.

RENATO POMPEU: E ele sumir politicamente.
Esperamos. E, depois do regime militar, foram com muita sede, não de resolver o problema político, mas de se sustentar no poder, e muita sede de se apropriar dos recursos públicos. Muita sede de dinheiro. Estamos presenciando uma construção de valores muito baixa. E se sustenta porque a sociedade parece hipócrita, idiota. Pode parecer, mas não é!  Chega um momento que vai exigir. As autoridades honestas, que têm compromisso com essa sociedade, vão fazer valer seu exercício. 

RENATO POMPEU: Estávamos na Operação Chacal.  Como é que deslacra o HD?
É um país de escândalos, vamos esperar o próximo e vamos abrir o HD. E vem o mensalão. Parte e de um grupo pequeno, eles se revezam no poder. Coisa absurda! Não vê agora? Acaba uma eleição municipal e o Lula vai lá sentar com o Serra. Sorrindo, de braço dado. 

FERNANDO LAVIERI: Um ato político.
Tem que se conversar com todo o mundo. Mas ali, para mim, é uma ironia com nós eleitores. Com o povo! Vai me desculpar, um desrespeito! Não me sinto feliz em ver aquela cena não! Tipo "você está perdendo o poder, estou ganhando, mas vou te segurar". Todo o mundo com sorriso irônico, Sérgio Cabral, Serra, Aécio, Hartung, o que é isso? Mas então, abrimos o HD. As personagens são as mesmas. Encontramos os doleiros do mensalão, que servem ao Daniel Dantas, ao Naji Nahas.

IWAGNER NABUCO E que serviram em Minas o Marcos Valério?
MarcosValério. Eduardo Azeredo. Nasce a Satiagraha. Que poderia ser melhor, já pensou? Satiagraha depois das eleições? Que vitória para o pais. Só que muita gente teria que se mudar daqui. E é aberto o HD numa estratégia do  Minstério Público e Policia Federal que o jujz de primeira instãncia ( o mimstro Joaquim Barbosa  manda expedientes para vários Estados para complementar a diligência e a ação judicial que  tramitava no Supremo, em que ele era relatar.  A rigor, ele deveria concentrar no Supremo, mas, para otimizar o processo, inteligentemente descentraliza a ação junta a juízes de primeiro grau. Aí, conseguilnos provocar a Justiça, e tinha doleiros ali que tinham relação com o Opportunity já no caso Banestado, lá atrás, desde 1997. E conseguimos uma decisão judicial para que ajuíza deslacrasse o HD e permitisse que a Polícia Federal verificasse se tinha algum dado que importasse em crime financeiro envolvendo pessoas do mensalão. Encontramos um volume de dados muito grande e a juíza deu um prazo exíguo para exame, e nós, em trinta dias, identificamos que não tinha, a princípio, nenhum mensaleiro ali, mas um volume de dados que dava conta de uma série de indícios de crime financeiro e lavagem de dinheiro envolvendo muita gente, pessoas físicas e jurídicas.

Prisão de Law Kim Chong

PALMÉRIO DÓRIA: E o caso do Law Kim Chong?
O chinês era poderoso e tinha ligações na Polícia Federal, provavelmente algo ligado a funanciamento de campanha, ligações na sociedade paulista. Um mafioso você vai pegar naquela situação mais simples. A complexa é onde ele está preparado. Qual seria a espinha dorsal dele? Contrabando e pirataria, talvez atividades municipais. Aqui, vou bater nele e voltar. Passo cinco anos investigando e busquei a via mais frágil, a corrupção.

MYLTON SEVERIANO:  E como se deu? 
Com a CPI da Pirataria, o presidente é luiz Antônio Medeiros, e me procura .O Law quer 2 mihlões de dólares pra deixá-Io fora da CPI. Passeí ao no de pegá-Io naquilo que ele seria frágíi, pagamento de propina. O deputado passa a fazer uma ação controlada (é acompanhada pelo Ministério Público e pelo juiz), com um assessor, o Fernando, policial rodoviário, e o Fernando fica com medo. Falei "deputado, não vou perder esse trabalho, haverá um prejuízo grande pra sociedade", "qual a saída?", "precisa arrumar outro", "quem?", "o senhor", "eu?","sim, você não foi do Partido Comunista? Não foi exilado na Rússia? Tem todos os requisitos pra uma operação de infiltração", "eu topo". Firmeza. Falei "o Law não confia em ninguém, chega um momento que tem que estar presente com o dono do negócio, e o senhor é o dono".

MYL TON SEVERIANO O Medeiros não ficou nervoso?
Ele foi muito frio. Corajoso. É produzido um encontro em Araraquara. E o deputado, embora nervoso, sai muito bem. O chinês é um iceberg. Entrou, logo tira o paletó, o que sugestiona "não tenho gravador, nada". O deputado, "não vou tirar meu paletó, ou confia ou pode ir embora". E cheio de equipamento por baixo.

MYLTON SEVERIANO É uma casa térrea...
Um hotel. Esse vídeo é fantástico. Um diálogo sugestionado por nós. O Law marca pra entregar o valor num ninho nosso, São Paulo. Você pensa "vai marcar um local de confiança e depois mudar". É um misto de probabilidades, oportunidades, sorte. Ele indicou o shopping Center Norte, seria uma carnificina a prisão dele, poderia ter reação. Os guarda-costas dele eram policiais militares, falei "o lugar provável que ele vai trocar, Medeiros, vai ser seu escritório". O local onde ele mais confiaria, "sou o corruptor, vou marcar na casa do corrupto, se for preso levo ele". Chega no shopping, entrega o dinheiro para o intermediário, o telefone toca e o Medeiros ouve "não vai ser mais no shopping, vai ser no seu escritório". Saímos batendo carro, chegamos minutos depois do intermediário chegar com o dinheiro. O Law já em fuga. Veio um grupo executar a prisão, uma parte do Rio, uma parte de Florianópolis. Ele é preso entre onze horas e meio-dia. Tava na garagem da rua 25 de Março pra pegar o carro.

MYLTON SEVERIANO O encontro pra dar dinheiro pro deputado foi que hora?
Meio-dia. Nós tínhamos um informante Stone, e ligou, "tá atrás da pilastra no estacionamento", e chegam os nossos, seis, e ele tinha quinze seguranças, sacaram as armas, e ele pergunta "vocês são policiais de São Paulo?", "não, diretoria de inteligên¬cia de Brasília", "logo percebi". Engraçado, mas é triste, ele não aceitaria traição. A úni¬ca condenação dele foi por corrupção.

Prisão de Paulo Maluf

PALMÉRIO DÓRIA A do Maluf talvez seja a prisão mais emblemática, você pega o político.
Tem uma história pesada, a sociedade paulistana se identifica com o modo politico, o "rouba mais faz". O Ministério Público vai à Policia Federal em 2001 procurar o delegado que vem de Foz do Iguaçu, "temos um expediente aqui e queremos o delegado Protógenes". Foi produzido um volume de informações, uma sala de documentos. Pedimos quebra de sigilo bancário internacional. Demorou uns três anos, chegou em 2004. Um marco, nenhum paraíso fiscal manda informação. A Suíça foi a primeira. O marco foi o 11 de setembro de 2001, os atentados. Há uma nova ordem financeira internacional. Ele tem dupla cidadania, brasileiro e libanês. E a cada ano vivia oito ou nove meses no Oriente Médio. Um mês em Paris. E quando chegaram os documentos no início do governo Lula, o Márcio Thomaz Bastos [ministro da Justiça] cria um departamento chamado DRCI [Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional]. Os documentos vieram bagunçados. Fora de ordem, faltando. Quer dizer, um departamento que era para facilitar a recuperação de recursos ilícitos, dificulta. Antes tínhamos contato direto com as autoridades internacionais, hoje vai ter contato com esse departamento. Já entrei em choque. Só tive uma reunião com esse departamento. O diretor hoje advoga para um dos escritórios que advoga para o Daniel Dantas. O dono foi procurador da Fazenda, Madruga e tinha uma procuradora também, chamada Vani. Na primeira reunião queriam ditar regras e normas na investigação do Maluf. Eu disse "vocês recepcionaram documentos e bagunçaram, vou apurar responsabilidades". Esse departamento foi criado para dificultar. Comecei a traçar estratégias para prender o Maluf. Descobri o doleiro, Vivaldo Alves. Mexia no fio do telefone dele, mulher, filho, de mais doleiros, "se tiver uma relação de confiança com o Maluf, a primeira pessoa com quem vai gritar é com o patrão". Não deu outra.

PALMÉRIO DÓRIA Grampo? 
Exatamente. O Flávio Maluf foi quem começou a cair, telefone de uma empresa, se não me engano de alimentação. .E o Maluf cai justamente na corrupção. Propina ao doleiro, para mentir na investigação.  Só que no grampo também cai a juíza que determina o grampo. Na interceptação, dizia-se "fala com aquela senhora, da segunda o, vara", e no dia seguinte tinha um despacho dela obstruindo o trabalho. Falei com o procurador, ''vou prender essa mulher", e ele, com temor, fala para ela. E me disse. Quando ele falou para ela, ela fala para o Maluf. Quer dizer, para o  advogado do Maluf, o José Roberto Batocchio. Ela chama o Batocchio no gabinete, à noite. Batocchio sai de lá às dez da noite.  No dia seguinte vai à superintendência, pedindo medida cautelar,  "quero vistas da interceptação que o senhor está fazendo contra fi meu cliente". Olhei para ele, "sinto não poder". "O senhor vai cumprir sim." "Não vou! Fale para o seu patrão, e para a doutora Silvia, sua  amiga particular, que ela venha ao  meu gabinete me obrigar a cumprir essa ordem judicial." ''Vou representar contra o senhor, o senhor é louco." ''Represente muito "O bem. Se não, vou representar contra o senhor também. Agora, minha representação o Brasil vai conhecer." Ele saiu louco da vida. E trato de fechar a operação. Já tinha vazado. Mandei o relatório para ela, pedi a prisão preventiva do Maluf e do  Celso Pitta. Ela ficou nervosa.

MYLTON SEVERIANO Tinha que ser com ela.
Ela pega uma cópia do relatório e entrega je para o Batocchio. E o Batocchio chama jornalistas. A Lilian Christofoletti, da Folha de São PauL0, e Fausto Macedo, do Estadão, salvo engano. Dois de confiança, para divulgar. Mandei recado para o procurador, "fale com a doutora Silvia, ela tem que decretar a prisão do Maluf, se não vou prendê-la, o nome da senhora está no grampo". Foi uma agonia para que ela decretasse a prisão. Ela decreta. E sai de férias.

MYLTON SEVERlANO Decretou de todos que você pediu?
Não. Ela não decreta a do Pitta. Só do Maluf e do filho. Falei "um dia vou buscá-la".

WAGNER NABUCO Mas por que, em geral, o furo é da Globo?
O furo só reconheço se for bom pra sociedade. A Thais Oyama. da Veja, teve um furo que  furou meus olhos. Foi a máfia do apito. Ela destruiu um trabalho E o que mais doeu foi que me disse "sua investigação vai ser matéria de capa e vender 150 mil revistas". "Thais, descobrimos corrupção, tem jogadores envolvidos, árbitro, dirigente. Tenho consolidada a fraude na arbitragem, não tenho a fraude nos atletas e nos dirigentes." "Não interessa! Já está fechado." Quando é na sexta já está na internet. Os bandidos fugiram. Não se pode fazer isso.

Prisão de Fernandinho Beira Mar

PALMÉRIO DÓRIA: E o Fernandinho Beira Mar?
Onde foi preso? Na selva colombiana, 1999. E Saio com a missão concluída. Vou pra Brasília. E tinha um ofício para me apresentar em te Foz do Iguaçu. Investigar lavagem de dinheiro, evasão de divisas no Cone Sul. Batizei de m Operação Macuco [o "caso Banestado" - Banco a do Estado do Paraná]. Macuco é típico da região, quem achar um ovo azul do macuco tem vida longa. Se todo o mundo procura e não está vendo, vamos ver se a gente enxerga. Foi um trabalho complexo, todo o mercado financeiro envolvido, internacional também, até o Banco Central do Paraguai. E o nosso.

PALMÉRIO DÓRIA: O maior vazador de grana do Brasil.
A maior lavanderia se instalou ali e com apoio polítioo. Começamos a escanear aquele processo. identificando os atores.

WAGNER NABUCO: Gustavo Franco mudou norma e permitiu que os banco fizessem lavagem, não?
Tenho receio quando se muda uma lei do sistema financeiro. Ass leis feitas pelos banqueiro, são para benficiar a si próprios. Como agora. A norma estabelecia regras para a conta CC5. É conta de não residente, de estrangeiros no Brasil. Em linguagem fácil: estangeiro vem portando 100.000 dolares e quer comprar alguma coisa. Quer ter uma vida social aqui, e pega esses 100.000 e registra. Se investe nma carrocinha de ppoca, o dinheiro gerado ele vai depositar nessa conta CC5, que permite a ele voltar com esses recursos ganhos. Ela foi feira na convenção reconhecida mundialmente, para trazer investimentos pro pais. Não pagava imposto.

MYLTON SEVERIANO: E como é que os bandidos do colarinho usam?
No caso Banestado, o esquema é montado com banqueiros do Brasil, para tirar dinheiro daqui. Se pegar os recusrsos qe ingressaram e os que saira, vai ver, saiu masi dinheiro do que entrou.

WAGNER NABUCO: Eles precisavam de uma empresa-fantasma.
Ou montava uma empresa-laranja, ou eram estrangeiros laranja. Até mesmo brasileiro que se permitia dizer que vendu algum bem pro estrangeiro e depositava na conta desse estrangeiro que não existia. Simples. O sujeito abria poupança com 10 reais. No dia seguinte chegava com 100.000. E o gerente aceitava. E sucessivamente. Transferia para CC5, dizendo que tinha vendido alguns bens para aquela "empresa" estrangeira. Eles usavam pessoas humildes, empregadas domesticas, desempregado, ambulante. Por que surgiu o "conheça o seu cliente"? porque o Protógenes começou a prender gerente, diretor, e a discutir, "não leva a mal, mas voces estão sendo indiciados porque, como é que em sã consicência. aceitam abrir conta de um pipoqueiro com 10 reais e no dia seguinte aceitam 100.000 sem falar!, voce vendeu muita pipoca, heim? e não aceito dizer que precisa cumprir metas". Mas chega um momento que o volume de dinheiro era tão grande que o gerente passou a entrar no esquema. Quando passa a cumprir hora extra, chegar mais ceo, sair mais tarde, viera a notie, já foi tragado pelo sistemma e já recebe pra abrir conta laranja. O lavador de dinheiro já não tinha preocupação, "ô meu amigo, abre mil contas pra mi aí".

WGNER NABUCO: E aí já estava abrindo conta com CPF falso.
Tinha de tudo. Mais de 100 bilhões de dólares saiu. Tinha um ex-diretor do Banco Central paraguaio que consegui o mandado de prisão. Saturnino Ramirez. Movimentou 1 bilhão 400 milhões de dólares num ano e meio. Identifiquei caixa dois, dinheiro de narcotráfico. O grande volume foi de desvio de recurso público, que me deixou chateado. Aí pegamos os politico sim, Maluf estava lá. Daniel Dantas.

WAGNER NABUCO Não entra só político.
Tem OAS, Mendes Junior, Odebrecht, a Queiroz Galvão. Todas as grandes construtoras. Você vai investigando, vai dar nas construtoras e na concorrência pública. E políticos.

MYLTON SEVERIANO: Em Foz do Iguaçu quem foi ?
Muitos. Passei quase dois anos lá. O primeiano foi difícil, começo a cercar os tubarões. Indiciei o sobrinho do Jorge Bornhausen, Alberto Dalcanalle Neto, em 174 inquéritos, vou para Curitiba, muita pressão. Fiz inspeção no banco dele, Araucária, logo o Banco Central fechou o banco. O presidente do Banco Central era o Armínio Fraga, "doutor Protógenes, esta¬mos preocupados", falei "quer arrumar um instrumento para me ajudar, fecha as contas CC5, o senhor acaba com a evasão de divisa, lavagem de dinheiro, estou enxugando gelo". Qual era a resposta? "Se agente fizer isso, cai todo o mun¬do aqui, não dá, faz parte do sistema." Convidei colegas a ir embora ou se danar comigo, "vou passar urucum no rosto".

MYLTON SEVERIANO O que significa passar urucum no rosto?
Vou guerrear, com instrumentos que a lei me permite, falei "vamos pegar um caso de reflexo internacional". Começamos a investigar um garoto chamado Victor Ruga Nunes, bonito, classe média. Transportava dinheiro do Paraguai e depositava na CC5. Sobrinho de uma senadora do Paraguai. Um dia, transportando 3 milhões e uns quebradinhos, de motocicleta, atravessou pro Brasil, na avenida Kennedy a gente "blum!". Arrancamos a mochila. cheio de cheque. Engraçado que tinha um disquete já com a cnpensação do banco. A coisa estava tão sofisticado que além dos 3 milhões, tinha mais alguns já compensados, colocava no computador e transferia: aquele dinheiro já tava em outro lugar. Que acontece quando prende alguém importante? Gritou imprensa, embaixadora, parlamento, presidente do Paraguai. Na semana seguinte fecharam as contas CC5. Aí mantr preso o garoto. Tinha o juiz, eu disse: doutor Emerson, ele tem direito a fiança". e foi a mais alta arbitrada no país. Pedi um milhão. O emerson falou, você é louco, eu sou juiz novinho", falei "também sou novo, se a gente não fizer isso não vamos acabar com a lavagem de dinheiro, estão sangrando o país, aperta a canela aí". Ele colocou 500 mil reais. A estratégia era saber quem ia pagar. Sabia que era alguma autoridade. O garoto foi solto, cheque de quem? Presidente do Banestado. Reinold Stephanes.

MYLTON SEVERIANO: Atual ministro da agricultura.
Aí comprovei que estava no esquema. Pra se livrarem do problema maior fecham as contas CC5. Permaneci um tempo, porque tentaram, um banqueiro, uns doleiros, me comprar, ofereceram 5 milhões de dólares, e viram que não tinha chance, aí fizeram um plano pra me executar. Minha esposa grávida teve que ir embora, eu andava com quatro colegas fazendo a segurança.

A ida para a Polícia Federal

MYL TON SEVERIANO: Vamos para sua ida para a Polícia Federal.
É. O encontro. Recebo convite para ser procurador-geral de São Gonçalo. Em 1992 me deparo com um pedido para ajudar num processo de impeachment de um prefeito Aires Abdala. Falei para o vereador "vamos pegar fatos de repercussão nacional pra ecoar". Peguei desvio de merenda escolar e remédios. Tinha criança desnutrida, e ele desviando. Botava pra vender em supermercado dele.

MYLTON SEVERIANO: Além de corrupção, cruel.
Beira o genocídio. Bebês morriam por falta de leite materno, que poderia ser suprido com leite que o governo dava. Ingressamos com processo e deu resultado. Era o cacique político da região. E durante o processo foram muitas pressões, ameaças, tentativas de corrupção. Eu sabia que poderia sofrer uma decepção.

FERNANDO LAVIERI: Você temia problemas na votação?
Sim, a vida política é promíscua. O próprio processo eleitoral. Você chega a um eleitor que você vai me dar?" Não pensa no coletivo Parti para um jogo arriscado. A lei que regula o impeachment dizia que a votação é secreta. Era do regime militar. Falei "terá que aberta, quem for a favor do ladrão do dinheiro público vai prestar conta". E o povo gritando "ladrão, ladrão". Os advogados dele sorriram dizendo que estava contrariando a lei. Protestaram. E o povo aplaudindo.

PALMÉRIO DORIA: E você foi responsabilizado?
Não. Ganhei. E o doutor Evandro Lins e Silva, no impeachment do Collor, o que fez?
Adotou. O processo já estava consolidado.

MYLTON SEVERIANO: Em que ano?
Em 1999. José Roberto Santoro era o proccurador que me auxiliava. Abro inquérito por lavagem de dinheiro para o narcotráfico, quebra de sigilo bancârio: governador, prefeito, ex-governador, Fernandinho Beira Mar que tinha ligação com o narcotráfico, com a narcoguerrilha colombiana, as Farc, o Hildebrando Pascoal [ex-deputado federal, o "homem da motosserra" que mandou cortar em pedaços um desafeto]. Aí o Santoro dá um parecer paralisando a investigação, dizendo que não poderia investigar [Hildebrando] por lavagem de ja dinheiro, tinha que comprovar que era narcotraficante. Não dei bola. Fizemos a prisão preventiva por grupo de extermínio. A primeira condenação foi por lavagem de dinheiro. Fechei a investigação em cima do Hildebrando e dos 40 que estavam com ele. Eu disse "doutor Santoro, o tempo é o senhor da razão". Ele disse que eu estava vendo muito filme.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

a infancia, a formação

MYLTON SEVERIANO: Vamos começar esquentando as turbinas. Onde nasceu.
Sou filho de branco com preto. Nasci em 20 de maio de 1959, em Salvador. Meu pai era da ir Marinha de Guerra, ex-combatente da Primeira Guerra Mundial. Aos meus três meses, foi lá para o Rio, participar de uma intervenção. Era do almirante Protógenes Guimarães. Por isso meu nome. Minha mãe embarcou num avião da FAB, eu e meus outros nove irmãos. Primeiro fui morar num bairro de Niterói, Barreto, num sobrado de frente pra praia.

MYLTON SEVERIANO: Você estudou em Niterói?
Isso. Tinha uma igreja do Barreto, a gente tinha que assistir a missa, participar das fes tas. Eu gostava, era criança, tem que estudar, ir para a igreja, brincadeira de rua.

MARCOS ZIBORDI: A como?
Minha mãe era de descendência africana, escravos, meu pai de portugueses, espanhóis, branco de olhos azuis, uma semelbança com aquele artista. Paul Newman. Meu pai é abandonado pela esposa e minba mãe contratada para cuidar dos filhos. Aí ele se apaixona. Ela estava com quinze anos, e era muito bonita. Meus irmãos por parte de pai chamavam minba mãe de mãe e a mãe deles pelo nome, devido à relação materna bem forte. A família do meu pai tinha fazenda no interior da Bahia. Meu bisavô era padre: Antônio Pinheiro de Queiroz. Fundou uma cidade, Conceição de Oliveira dos Campinbos.

MARCOS ZIBORDI: Estudou em escola particular?
Não. Eu não gostava. Escola pública era melhor. No primário fui aluno razoável. No ginásio, você já começa a ser um pouco peralta. Sempre fui ativo. Meu pai era militar, lembremos, imaginava que o pais poderia entrar em guerra e você teria que sobreviver sozinho. A gente tinha que plantar guandu, aipim, e colher. Eu adorava colher aipim, puxar a raiz, era divertidíssimo. Não gostava do guandu, aquela vagem machucava a mão. Minha mãe, semi-analfabeta, mas de um coração muito forte. era ligada a ajudar as pessoas, e na meu pai mandava até fazer roupa. Sei sentar de numa máquina e fazer um short, uma camisa. Em casa a gente ajudava a mãe a cortar roupas, pregar botão, fazer bainha. Você chegava ralado, minha mãe: "vai pra máquina cerzir, essa roupa tá boa ainda". E também uma coisa peculiar de meu pai: ser bem informado. Antes do jantar, ele colocava o rádio sobre a mesa, tínhamos que ouvir a Ave Maria, a Voz do Brasil e depois o Repórter Esso. A voz do homem tá na minha memória até hoje.

MYLTON SEVERIANO: Heron Domingues.
Exatamente, depois é que íamos fazer a ceia, e no dia seguinte tínhamos que ler os jornais. Para ter o hábito. Eu lembro, tinha sete, oito aninhos, ir no jornaleiro e trazer aquele saco de jornais. E se precisava de dinheiro para um cinema, tinha que vender saco, garrafa. Deliberadamente meu pai não dava mesada, não. E passa a infância, vou para um colégio público, em 1970. Tinha dez, onze aninhos. O que mais me despertou foi eletrônica e eletricidade.

MYLTON SEVERIANO: Você foi da UNE?
Fui delegado da UNE, em 1980.

MYLTON SEVERIANO: E foi para o Direito deliberadamente?
Sim.

MYLTON SEVERIANO: Mas tinha despeitado para a política, esquerda, direita?
Não, eu tinha consciência do que era certo, errado, meu pai era um crítico do regime.

CAMILA MARTINS: Estava na ditadura elo militar?
Ele homem do regime, mas crítico. Dizia que depois de Castelo Branco [chefe do primeiro governo militar, 1964-1966] não existia um governo militar que prestasse, que estavam cometendo muito excesso.

MYLTON SEVERIANO: E você pendeu para que lado?
No colégio, jogava futebol escondido, meu pai dizia que era coisa de vagabundo.

FERNANDO LAVIERI: Jogava bem?
Bem. Meu apelido no Niteroiense era Ferretão: magro, comprido. Um meio-campo avançado. E no colégio Hélder Câmara me despertando a atenção um professor de geografia chamado Milton, usava bolsa de couro, barbichinha. Um contestador. Falei "o canal é esse, área humana". Montamos um minigrêmio. E, numa feira de ciências, a professora Marlene ficou orgulhosa, era a empreendedora, chamou autoridades, inauguração de novas salas, e destinou uma para o nosso trabalho. De madrugada, pichamos o muro: Terrorismo é ditadura que mata e tortura. Já causou um estrago danado. Aí tá lá o senador Saturnino Braga, o prefeito, comandante do Exército, da Polícia Militar, Marinha. E chega na nossa sala, trancada. Quando ela pediu para abrir, era uma sala de tortura. Tinha pau-de-arara com boneco, baneco com fio na cabeça. A professora meu

MARCOS ZlBORDI: O que estava escrito?
Pedíamos eleição direta, perguntávamos por que presidente general, pedíamos a melhoria do ensino, que tinha que ser público. E todo o mundo se mandou, a polícia atrás. Chegou a professora Marlene, meu pai falou "menino, você tá louco, os professores vão ser presos, cadê o jornal que você fez?". Deu quase expulsão.

MYLTON SEVERIANO: Você tinha 17 anos?
É, 1976.

MARCOS ZlBORDI: É nessa idade que começam esses comunistas.
Exatamente. Vou estudar na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, particular. Meu pai acreditando que tava fazendo engenharia. Tinha uma intervenção no diretório, comecei a contestar. Ouvi colegas dizer "você vai encontrar espaço para discutir no Centro Acadêmico da Nacional".

MYLTON SEVERIANO: O Cândido Oliveira?
É, eu atravessava a Praça da República, ia conversar, comia no bandejão. E teve o congresso da UNE em Cabo Frio.

FERNANDO LAVIERI: Seu pai sabia?
Meu pai, quando descobriu que eu tava fazendo Direito, corta a mensalidade. Tinha o crédito educativo, fui pra Caixa Econômica fazer, com minha mãe.

MARCOS BORDI: Por que ele não queria?
Dizia que advogado não presta. É, igual Lênin. Advogado, nem do partido, e ele era advogado. Mas entendi que dentro da advocacia ia contribuir mais que na área tecnológica. Estagiei na Defensoria Pública três anos. Saía dez, onze da noite. Ficava penalizado, as pessoas com senha, estavam sendo despejadas. E tenho contato com movimentos sociais, associação de moradores, começa a se formar um movimento social. As pessoas se organizando pra reivindicar. Conheço o pessoal da Contag [Confederação de Trabalhadores na Agricultura], para advogar para a Via Campesina, Sindicato dos Operários Navais, esse caminho até 1987, advogando para associações, partidos, PDT, PT ...

CAMILA MARTINS: Chegou a se filiar?
Nunca quis, era me rotular. Eu tinha envolvimento com outros partidos, e uma formação forte dentro do Partido Comunista Brasileiro. Em 1982, o grupo da clandestinidade pertencia eram todos velhos comunistas. Hércules Correa que faleceu há pouco. Obrigatoriamente você tinha que ler O Capital, de Karl Marx. E engraçado: hoje, com essa crise, onde VI é que os capitalistas estão lendo fundamentos para corrigir o erro? Está sendo obrigatória a leitura de Marx, Engels, Hegel. As corporações estão recomendando que seus diretores leiam.